15 de ago. de 2011

096


12/08/2011
Ele tinha 45. Eu sou de 76. Eu ainda tinha meus nove. Eram mil novecentos e oitenta e cinco e meu pai virou lembrança e enterro triste. Engraçado que dentro da cabeça o poema fica bem mais fácil. Sei até como acabar o texto, mas não tenho a menor noção de como começar. Morreu uma pessoa importante esses dias. Importante pro coletivo que o que importa pro mundo de repente seja só o infinito fluxo dos veículos na porta do cemitério. Todos passando com seus milhares de problemas na frente dos outros que já passaram. O morto foi bem bebido e só agora no terceiro dia voltei pra casa. Pelo menos os mortos a gente honra. Pra falar a verdade eu nunca paro pra pensar sobre a morte. Os nossos, a gente aproveita enquanto estão por perto. E eu aproveito cada segundo. Pois sei que os nossos, além de serem os melhores, além de serem os piores, são os que mais fazem falta. O tempo as vezes é um tremendo de um filho da puta. Escrevendo em banimento, por exorcismo, pois esta é a única forma que eu conheço de expulsar tudo que teima em ficar dentro. Botar pra fora é o único jeito de tirar essa dor do peito. Mas é complicado e o mais complicado é que sinto que preciso botar isso tudo pra fora pra conseguir seguir em frente e ficar bem. Banzai então pela vida, por tudo que teima em ficar junto, pelo tanto que teima em me ver bem, pelo meu eu conjunto, o eu junto com você também. Pelo Fluxo em mim. Aonde mora o grande e o pequeno, o tudo e o nunca mais também. Que quem foi a gente leva, embora a gente devesse deixar ser levado. Honrar o passado, este que foi cimentado para que se possa sempre lembrar deste agora. É só o agora, é todo agora em mim hoje e sempre. Eu saúdo os que passaram, eu saúdo todos os que viraram poema e em nome disso tudo e de todos eles que escrevo o meu poema. Por amor, amor enorme nesse agora, por esse agora e através do meu eu coletivo, do meu eu oceano. Amo, logo vivo. Multiplicando eu permaneço. Eu sou soma, a multiplicação de todos que conheci, de tudo que eu escrevi até agora. O riso multiplicado. Meus abraços em braços espalhados. O eu em tantas folhas, espalhadas por aí. O eu agora por aqui sempre. O meu eu muitos. Meu eu tesão e gargalhadas. Meu eu feliz e brigando até conseguir a felicidade enfim. Meu eu bia e o riso de bia que é todo alegria, meu outro eu feliz junto por aí. Meu eu que insiste, meu eu que ergue a espada em saudação. Porque o peito continua de aço, o olhar continua firme. A palavra continua fluindo e a gente continua marchando. Tocando a bola pra frente. Rindo pra espantar o medo e celebrando este agora da forma que der pra afastar toda essa dor pra bem longe. Bom que esta cidade é oceano e profunda o bastante pra engolir nossa dor. Rio eu te amo. Não seria nada sem você espalhada pelos lados. O espírito dessa cidade me carrega. Que as vezes simplesmente não dá. É insistência pura que move, é por saber que o movimento em si carrega. Nos carrega. Como artista eu sou a expansão de mim mesmo, cópia imperfeita deste outro movimento universal. O muito grande no infinitimamente pequeno outra vez de novo. Sempre. Tá difícil escrever mas eu insisto. Olho mais fundo e busco mais dentro e meu cigarro tá acabando e não tenho nem o da passagem pra ir na lapa filar um cigarro e foda-se. Mais importante é o poema e nesse momento jogar tudo pra fora e tentar ficar bem com Bia. Nome disso é Declaração de Intento. Pois o infinito também sou eu. E eu sou a minha Vontade manifesta. E nada além disso. Portanto em grito e em espasmos eu saúdo aqueles que caíram, abraço aqueles que ficaram e rio junto a estes que começam agora. Eu sou a expressão da minha Vontade e afirmo agora: Eu continuo. Eu insisto e sigo rasgando estas folhas. Por amor e alegria e através de outras noventa e seis, eu sou o senhor de mim mesmo. Vicente partiu em um dia de chuva. Era assim que acabava o poema. 96 agora. 

Nenhum comentário: